“Não” ao marido ou ao namorado.
“Não” aos filhos.
“Não” aos pais. “Não” à sociedade.
Apesar do avanço no mercado de trabalho e da autonomia financeira, o sexo feminino continua submisso ao masculino
Mulher, está na hora de aprender a dizer "não"
Uma mudança interior não acontece do dia para a noite. Exige longos períodos de reflexão, decepções, negações dos próprios desejos. Importante mesmo é passar por esse processo da descoberta, aprender a dizer "sim" a si própria antes de fazê-lo para os outros.
A socióloga do SOS Corpo Taciana Gouveia acredita que a sociedade ainda reprime a mulher.
Discutir a autonomia da mulher em um país onde cada vez mais elas são as mantenedoras da família, traz à tona também comportamentos seculares, que remetem a uma sociedade patriarcal.
Onde homem e mulher têm lugares diferentes. Onde ela ainda baixa a cabeça porque evita soltar um sonoro "não" para todos que a cercam e termina sem viver a própria vida.
Mas quando a mudança bate à porta da consciência, parece até que os bichos do passado se transformam apenas em uma ilusão.
O Dia Internacional da Mulher é um bom momento para que se faça uma reflexão sobre quantas vezes estão dizendo não para si mesmas.
Márcia (nome fictício) é uma funcionária pública com 44 anos. Há dois, ela e o marido fazem terapia de casal. Ela se descobriu sufocada dentro do relacionamento, pois o companheiro não permite sequer que use vestido e muito menos maquiagem. Proíbe até amizades com homens.
Os desentendimentos chegaram a tal ponto que o casal cortou a internet. Afinal, somente ele podia ter amizade com pessoas do sexo oposto. Diferente da mulher. "Comecei a perceber que ele tinha mais direitos que eu. Por isso procurei ajuda de um psicólogo", revela.
Quando se fala em relacionamento amoroso, a imposição de regras para a companheira pode ser sutil e geralmente confundida com amor, cuidado e ciúme. "Se o amor vira instrumento de dominação, transforma-se em violência.
A mulher tem que dar provas amorosas o tempo inteiro. Abdica dos desejos para não contrariar o parceiro. Nessa hora, o que está em jogo é o medo do abandono, de não ser mais percebida como mulher.
Elas são impregnadas dessa cultura patriarcal", explica Taciana Gouveia, mestre em sociologia e educadora feminista da ONG SOS Corpo, do Recife. Na opinião dela, as mulheres precisam se impor, ter auto-estima, fazer por si e não só pelo outro. "Somos inteiras e não pela metade. É preciso avaliar o que vale a pena, ou a gente é inteira ou é objeto tratado como tal".
Cultura patriarcal, machismo. Tudo isso remete à casa das mães, onde vivemos os primeiros anos de vida.
Em geral, é lá onde homens e mulheres aprendem a ser machistas. É o que pensa a psicóloga Olga Mendonça, que atua com terapia de casais.
Segundo ela, 90% dos casais que procuram a terapia citam esse controle do homem sobre a mulher na relação.
"O filho pode namorar, pode ficar, pode ir para as baladas.
Já as meninas não podem fazer nada disso. Mais tarde essa criação gera dependência, pois a mulher passa a ser passiva e se acostuma a dizer sempre sim, o que acaba gerando uma relação de desigualdade", reflete Olga.
Ato de coragem - Digamos que saber dizer "não" a tudo o que desagrada exige, antes de qualquer coisa, uma boa dose de informação.
"É pouco exposto para a mulher que é possível dizer não, pois ela vive em uma sociedade conservadora. Além disso, é preciso coragem para ser outside. Não é simples viver assim", destaca Taciana Gouveia.
Muitas vezes a coragem para dizer "não" é o divisor de águas para um futuro mais tranquilo.
Que o digam as mulheres atendidas na Gestos, ONG que atua com pessoas que vivem com o HIV.
Todas elas se contaminaram pelos maridos que sabiam estar com o vírus e nem por isso tomaram precauções no ato sexual com a esposa.
"É impressionante a similaridade no discurso dessas mulheres. Elas não têm autonomia, liberdade de conversar sobre a necessidade de usar preservativo, de fazer exames ginecológicos. Todas tentaram dizer não aos parceiros, mas eles não ouviram, não deram direito de escolha", ressalta a psicóloga Patrícia Leitão.
E por que a submissão à figura do homem chega a outras relações, além do casamento?
A explicação estaria no pai. "O homem, qualquer que seja, vai representar o pai da mulher, a autoridade.
No trabalho, a submissão pode acontecer quando ela se vê diante de um chefe.
No casamento, quando o homem é autoritário, os filhos homens passam a tratar a mãe com violência também", ressalta Olga Mendonça.
Nada que um bom "não" não possa resolver.
Desde que haja uma visão de si própria. Desde que haja vontade de mudar.
Crédito:Fátima Nazareth
Autor:Marcionila Teixeira e Wagner Oliveira
Fonte:Diario de Pernambuco